Estamos no começo dos anos 80, no século passado. Primeira eleição para governador no Brasil, no fim da ditadura. Jorge Cunha Lima era o responsável pela comunicação da campanha de Franco Montoro, do MDB, e me chamou para ajudar.
Já tinha várias agências de propaganda, importantes e voluntárias, fazendo a parte gráfica. Jorge me pediu para trabalhar na campanha eletrônica, junto com Paulo de Tarso Santos (a primeira vez que eu e o Paulinho trabalhamos juntos) e com o cineasta Jorge Bouquet. Ele pediu pra gente criar alguma coisa forte, diferente.
Havia uma lei que limitava bastante a propaganda política na época, chamada Lei Falcão. Por ela, só éramos autorizados, na TV, a exibir a foto 3X4 dos candidatos e falar o currículo dele. Ficamos lendo e relendo a lei e achamos aí uma brecha: ela falava do currículo, mas não dizia claramente que devia ser o currículo do candidato.
Então criamos uma peça que exibia uma foto 3X4 atrás da outra, com a cara de todos os candidatos do partido e ao fundo, com a voz emocionada do Montoro, contávamos o currículo do partido – sua luta contra a ditadura. Explicamos para ele que aquela peça era muito forte e que devia ir ao ar apenas uma vez, porque os outros partidos políticos iriam reclamar e ela seria tirada do ar pela Justiça Eleitoral.
Para nossa surpresa, ninguém reclamou. A ousadia saiu na capa de todos os jornais do Brasil. E, ao contrário, todos os outros partidos fizeram a mesma coisa, enquanto a Justiça Eleitoral ficou quieta. Foi assim que, de uma hora para outra, caiu a famigerada Lei Falcão.
Daí para a frente, a comunicação eleitoral no Brasil só evoluiu, com liberdade, até chegarmos ao formato dos dias de hoje: programa eleitoral e comerciais veiculados no meio da programação normal da emissora. A gente passou a usar os formatos e as técnicas mais modernas, procurando dar mais dinâmica e ritmo, tentando tornar a comunicação política cada vez mais agradável para os eleitores/telespectadores.
Parece que pouca gente sabe ou não se lembra dessa estória que acabou fazendo história. Principalmente os políticos, que hoje estão querendo, de novo por uma lei, colocar limitações na nossa propaganda política.
Ele usam dois argumentos. O primeiro é que a comunicação que se faz agora torna as campanhas muito caras. Marqueteiros já mostrou que os gastos totais de comunicação, criação e produção não chegam a 20% dos custos totais de uma campanha política. O grande gasto de uma campanha são as alianças políticas, que levam o candidato principal a bancar os custos de seus aliados.
O segundo argumento é que, com esse formato, as campanhas enganam o eleitor, mentindo e mostrando uma imagem do político que não é verdadeira. Como se o formato fosse responsável pelo conteúdo.
Bote um político de cara limpa diante das câmeras, sem nenhuma cena externa, e ele vai acabar dizendo a mesma coisa que diria numa campanha livre como hoje. Só que ficaria muito mais chato. E a audiência dos programas eleitorais, que já não é tão grande, cairia mais ainda.
Prefiro acreditar na liberdade e na inteligência dos brasileiros. A gente já aprendeu, na iniciativa privada, que quando uma empresa mente sobre seu produto, pode até vender no começo. A pessoa pode comprar uma vez, mas depois nunca mais compra esse produto. É o que também deve acontecer na política.
Achei importante lembrar essa estória, nesse exato momento em que nossos políticos tão democráticos estão discutindo que tipo de censura (qualquer limitação é censura) vão colocar na comunicação política no Brasil. Em vez de deixar nossa democracia evoluir, aprender livremente a fazer campanha política e a votar.
Acredito na liberdade, como valor básico. Qualquer coisa contra ela não é democrática. Acredito também que os brasileiros estão aprendendo, eleição a eleição, a votar – e votar melhor. Mais ainda, a se manifestar e lutar por novos canais de participação. Democracia é um aprendizado constante. Vamos construir a nossa com liberdade.
Vamos, senhores políticos?